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A Cidade e o Medo

Chama-se “A Cidade e o Medo” e é um retrato do que está a acontecer nas nossas cidades, sobretudo no Porto e em Lisboa: da violência social provocada pela especulação, do assédio no arrendamento, de como este é um crime que mata.


Há cerca de um mês, um incêndio no centro do Porto matou um homem e deixou sem teto duas famílias. Já na altura, circulou a versão de que teria sido fogo posto a mando do novo proprietário daquele prédio, um milionário que comprou a nacionalidade portuguesa por via do esquema mafioso (mas lamentavelmente legal e mantido por este Governo) dos vistos Gold, para poder investir no negócio do turismo na cidade. Entretanto, o caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária e todos os dados apontam no mesmo sentido: esta morte teve mão criminosa, surgiu na sequência de outro incêndio provocado uma semana antes e da perseguição feita a esta família, que tentou resistir e evitar a tragédia. A história do prédio na Alexandre Braga, junto ao Bolhão, soma-se infelizmente a centenas de relatos de intimidação de moradores e de criação de um clima de terror no centro histórico, por parte de investidores que, em nome da rentabilização do seu capital, não olham a meios para força-los a abandonar as suas casas, para que estas deem lugar a mais um hotel de charme ou a um novo alojamento local.


A Associação de Inquilinos do Norte confirma: não tem parado de aumentar o número de queixas de moradores vítimas da pressão dos proprietários dos imóveis e as técnicas são cada vez mais agressivas: cortar a água, bater à porta violentamente a meio da noite, insultar, mandar correspondência falsa, ameaçar de porrada, fazer barulho, provocar danos nas casas até elas se tornaram inabitáveis e a pessoa se veja forçada a sair pelo seu próprio pé.


Os casos que aparecem na reportagem da jornalista Miriam Alves partem-nos o coração e enchem-nos de revolta. Tinha já tido a oportunidade de ouvir alguns deles contados na primeira pessoa. Infelizmente, é mesmo assim que está o Porto e este é apenas o outro lado do que tantos elogiam como sendo um “enorme sucesso” e um “enorme progresso”. Para quem?


Este assédio visa, é certo, contornar obstáculos legais que impedem que as pessoas sejam tratadas como meros objetos descartáveis. Além disso, é verdade, o Parlamento não tem estado parado: entrou em vigor no passado dia 13 de fevereiro uma lei que proíbe o assédio no arrendamento ou no subarrendamento” (lei que teve origem numa iniciativa do Bloco e que mereceu, como se previa, a oposição do PSD e do CDS). Como se diz na peça televisiva, muitas destas pessoas estão protegidas pela lei, também porque têm contratos anteriores a 1990, ou porque estão abrangidas pelos (muitíssimo insuficientes) travões que entretanto se conseguiram aprovar relativamente à lei dos despejos de Assunção Cristas (uma das leis mais violentas e insensíveis que já se fizeram). Mas, ao contrário do que disse a Câmara do Porto e do que tem dito Rui Moreira, e apesar destas leis, este não é apenas um caso de polícia. É-o também, com certeza: a PSP tem de proteger estes moradores dos capangas e os tribunais têm de puní-los exemplarmente. Só que é, além disso, um caso de política. E o que surpreende é que a Câmara do Porto pareça ser, até pelas respostas que deu na reportagem, a única entidade a continuar em estado de negação.


Esta dinâmica de assédio criminoso faz parte de uma crise gravíssima da habitação, cuja origem está, entre outros fatores, no facto de a especulação e a ganância relacionadas com o turismo terem livre-trânsito na cidade. O terror em que estão a ser colocados os moradores do centro do Porto exige que a legislação nacional seja muito mais ambiciosa (mesmo para punir o assédio imobiliário a ação tem de ser muito mais imediata e menos burocrática) e também muito mais abrangente. Isso quer dizer que têm de acabar os vistos Gold que escondem o crime e os privilégios dos fundos imobiliários que fazem de Portugal uma república das bananas. Quer dizer, também, que é preciso ir à raiz do problema, o que passa por mais habitação pública (há mais de 31 mil famílias em lista de espera para as casas das Câmaras nos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa e Porto, porque os preços do mercado dispararam, mas só há 300 casas disponíveis) mas também, por exemplo, pela imposição de quotas ao alojamento local e aos empreendimentos turísticos, coisa que já é possível pela lei mas que a Câmara do Porto se recusa a aplicar na cidade.


Em nome de “não perdermos o turismo para a cidade”, estamos a perder a própria cidade para o mercado do turismo sem regras e, pior, estamos a perder as pessoas, a coloca-las em risco, a infligir-lhes um sofrimento intolerável. Há quem ache que o Porto do futuro é uma cidade-marca que “venda bem”, “amiga dos investidores” (o tipo de eufemismos que, mais do que nomear o real, o oculta), com a “revitalização do mercado” a conduzir a cidade. Pois bem: aí o têm, ao mercado, em todo o seu esplendor. Quanto mais ligeiras as regras, mais ele se entusiasma. Quanto maiores as promessas de lucro, menos ele recua diante de qualquer crime.


Abaixo, a hiperligação para dar acesso à reportagem:






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